Recuperado do choque que foi a 82° cerimônia de entrega do Oscar, acho que dá pra dizer que a noite deste 7 de março de 2010 foi mesmo inesquecível por dois fatores. Primeiro: o dia em que Davi venceu Golias, mostrando que a Academia não necessariamente se baseia em bilheteria e primazia técnica para escolher seus vencedores. Segundo: o dia em que se mostrou a pior cerimônia de entrega de todos os tempos. A Academia fez uma cerimônia chata e sem nenhum brilho, e ainda muito corrida. Erraram feio em cortar números musicais expressivos para colocar no lugar homenagens fúnebres e o glamour se perdeu no horror que foi a organização da festa. Se queriam atrair atenção, poderiam ter posto mais pompa.
Falando então do que interessa, os vencedores, como de praxe os atores coadjuvantes foram entregues logo no começo da cerimônia. Como era o esperado (poucas surpresas apareceram no 82° Oscar), Mo' Nique venceu como a atriz coadjuvante do ano, pelo papel em "Preciosa". Também pudera. Entre as cinco indicadas, Mo'Nique tinha de longe a melhor atuação do ano - possivelmente também entre as cinco indicadas na categoria principal. Em um discurso emocionado que resumia toda a glória de sua carreira, ela agradeceu que a Academia "tenha deixado a política de lado e tenha feito o que é certo".
No par masculino da categoria, Christoph Waltz foi o responsável por dar a hora que "Bastardos Inglórios" merecia. Agradecendo a Quentin Tarantino " e seus métodos pouco ortodoxos", Waltz saiu também ovacionado do Kodak Theather na mesma situação de Mo'Nique: a melhor atuação masculina do ano. Só não posso dizer que é melhor que Jeff Bridges, porque ainda não pude assistir a "Coração Louco".
Voltando a "Preciosa", o filme desbancou ainda o favorito a Roteiro Adaptado, "Amor Sem Escalas" e acabou levando o prêmio. Sapphire, a escritora de "Push", romance no qual o filme foi baseado, não podia se conter em emoção de ver sua obra adaptada recebendo o prêmio. Na minha visão, o prêmio de roteiro funciona como um "Prêmio de consolação de luxo", praticamente. E ver "Amor Sem Escalas" sair da cerimônia com as mãos abanando, praticamente chupando dedo, foi de cortar o coração.
Em se tratando de roteiro original, quem levou a melhor foi o grande premiado da noite "Guerra ao Terror". Mark Boal, o jornalista e roteirista do filme subiu ao palco visivelmente emocionado, diante de uma Kathryn Bigelow orgulhosíssima. A essa altura do campeonato, ninguém sabia ainda o que estava por vir. "Guerra ao Terror" ganhou também os prêmios de Montagem, Edição de Som e Mixagem de Som, nos primeiros embates que teve contra "Avatar".
"Up", a grande animação do ano venceu na categoria "Melhor Animação", prêmio que era mais do que seu por direito, convenhamos. Mas o momento de "Up", como já está virando praxe nos filmes da Pixar, foi o prêmio de Trilha Sonora para o compositor Michael Giacchino. Só de lembrar da trilha do filme dá vontade de chorar e foi justamente essa ode aos sentimentos nos filmes que o compositor evocou no seu discurso de agradecimento.
Se podemos falar que teve uma grande surpresa neste ano foi na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Praticamente a vitória do alemão "A Fita Branca" era dada como certa, depois de o filme ter levado a Palma de Ouro em Cannes no ano passado. Porém, o prêmio foi para a Argentina com o filme "O Segredo dos Seus Olhos". Se você ficou surpreso, deve ter visto a cara do diretor quando subiu no palco. Por essa, realmente ninguém esperava, se bem que se fosse pra ser um filme latino, preferia muito mais "A Teta Assustada", do Peru. E é assim que a Argentina bate o Brasil mais uma vez com seu cinema.
"Avatar", o grande favorito da noite acabou saindo da premiação apenas com os prêmios de Efeitos Visuais, Direção de Arte e Fotografia. "Star Trek" ganhou reconhecimento na categoria Melhor Maquiagem, que foi apresentada por Ben Stillar maquiado de Omaticaya e falando Na'vi. Provavelmente o momento mais original da cerimônia. "The Young Victoria" conseguiu o prêmio de Figurino, outra praxe, já que a academia tem predileção por filmes de época. Sandy Powell, a figurinista, dedicou o prêmio justamente a figurinistas de filmes modestos e contemporâneos, que nunca são reconhecidos. Bacana da parte dela.
Na categoria de ators principais, por um nano segundo achei que o prêmio de atriz iria para Gabourey Sidibe. A entrega contou com a presença de cinco amigos dos indicados que falaram sobre como era atuar com aquela pessoa. Mas como era de se esperar mesmo, a noite era de Sandra Bullock. Sua personificação neste filme é diferente de tudo o que ela já apresentou em 20 anos de carreira e ainda assim seu Oscar pareceu premiar tudo o que ela já fez, desde "Velocidade Máxima" até "Maluca Paixão", pelo qual inclusive ela ganhou o Framboesa de Ouro de pior atriz. Pela primeira vez, alguém ganha o premio de melhor e pior no mesmo ano.
A outra não-surpresa do ano foi Jeff Bridges ganhando por "Coração Louco". O ator se encaixa na mesma situação de Sandra, só que a carreira dele é bem mais cultuada do que a dela. Agradecendo aos pais por terem apresentado ele "a essa carreira maravilhosa", Bridges disse o quanto ama o showbizz e sua mulher, com quem está casado há 33 anos. A entrega desses dois prêmios foi um dos pontos altos da noite.
Um dos. Porque O ponto alto da noite foram os dois últimos prêmios. Davi X Golias. Ex-Mulher contra ex-marido. Barbra Streisend subiu ao palco para entregar o prêmio de direção. "Hoje uma mulher pode ser a primeira a ganhar o Oscar de direção", começa ela. "Ou um negro. Ou um dos três diretores que colocaram um roteiro seu na tela", corrige. Feitas as apresentações dos indicados. Ela abre o envelope. "E o tempo é chegado". Kathryn Bigelow foi ovacionada no que definiu como "O momento de uma vida" ao receber, completamente desnorteada e abalada, o prêmio de melhor direção. Mark Boal, o roteirista, chora muito na plateia. Jeremy Renner vibra. Foi a primeira pedra. Golias ainda não caiu. A história estava feita... ou quase.
Mal Kathryn saiu do palco, Tom Hanks entra praticamente correndo no palco (meu Deus, o que foi aquilo? Venceu o aluguel do teatro e eles tinham que esvaziar logo?) e, como se estivesse ali pra arrancar um band-aid, rasga o envelope e anuncia que "Guerra ao Terror" vencia "Avatar" como Melhor Filme do Ano. Golias estava no chão com a segunda pedra, assim como na Bíblia. Se Kathryn podia ficar mais desnorteada do que já estava, ela ficou. Porque teve que voltar às pressas ao palco junto com Mark Boal e o produtor Greg Shapiro para receber àquele prêmio que pode redefinir a história das premiações daqui por diante.
Hoje eu acordei tentando entender tudo o que aconteceu no fim da cerimônia de ontem. O que é mais importante? Milhões de dólares gastos para contar uma história linda de uma forma extraordinária ou pouco dinheiro mas uma mente brilhante? Nesse caso, tres mentes brilhantes. Katrhyn Bigelow, Mark Boal e Jeremy Renner. O mérito de "Avatar" foi escrito na história com cada centavo recuperado na bilheteria. O povo ama o filme. O 3D vai ser aplicado em 9 de 10 produções daqui pra frente. E não só o 3D como o CGI avançado, a captura de performance e seja lá o que mais "Avatar" tenha ajudado a revolucionar. Mas nessa noite a Academia do século XXI mandou um recado. O que ainda conta não são pessoas que conseguem fazer milagres visuais com milhões de dólares. E sim quem consegue fazer a mesma coisa com milhões de centavos a menos.
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